Gamito
Aventureiro
Registado: 29 dez 2010 19:50 Mensagens: 1031 Localização: Povoa de Varzim
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Re: Relato Passeio a Drave - 7/8 Novembro 2015
IV DOMINGO
Abro um canto do olho e espreito o relógio de soslaio, na esperança de serem horas decentes: são 6 . Fico desiludido com o que não dormi. Tenho as cruzes desfeitas. O kit de campanha terá de ser repensado. Levanto-me, faço uns alongamentos indoor e vou à cascata descomprimir o odre. O ocaso ameaça. As águas correntes continuam numa sinfonia infinita absorvendo o canto das relas e os roncos dos invasores. Volto pra tenda, não sem antes verificar se o mancebo está vivo, depois de uma noite em que quase golfou as entranhas – nunca vi uma carcaça tão mal tratada! O vale continua no sossego, guardado pelo espírito dos Martins que por ali devem vaguear, dando simbolismo ao lugar. Lanço um olhar sobre o casario ruinoso, às vertentes escarpadas, tiro as medidas à saída W do vale e a um contorno a meia vertente que presumo ser o trilho de saída, tentando adivinhar o que me espera daqui a umas horas. Uma viagem TT sem um pouco de aventura, também, é como um pitéu sem sal ! volto pra tenda a ver se descanso mais um pouco.
Ouço barulho lá fora. O madrugador costuma ser o MPedro. Definitivamente saio do abrigo. Sim, não me enganei, é o MPedro na caça às vistas. Outros se seguem e a vida na Drave começa começa a mexer. Lentamente, arruma-se a tralha come-se uma buxa e dá-se uma mão ao mancebo – o jovem não está preparado para pegar na té. Começam as apostas: pega à primeira, ou à segunda – quem dá mais? O lixo vai, não fica nada, queremos voltar, convém deixar tudo impec, uma porta aberta para o regresso. Do outro lado da montanha há outra aldeia abandonada, logo mais à frente a Aldeia da Pena, muitas razões para voltar à região. Malas feitas, tocou a rebate. Tudo preparado para a saída. Não há nervos. Tudo sereno para enfrentar as dificuldades que aparecerem. E o mancebo? Ouve intervenção divina. Sempre ouvi falar do Santo Agostinho, mas nunca tinha presenciado a sua mão – o Santo Agostinho desceu à Drave e fez a té subir à portela, não sem antes decretar a penitência ao mancebo pelo pecado da gula: “ calcorrearás a put* da ladeira até que o diabo te seja exorcizado do corpo ”
Começou a jornada e começaram os trabalhos. A saída da eira é tortuosa, inclinada e a calçada desconchavada e escorregadia. Sai um de cada vez, aponta-se a mota e fazem-se troços de 20m, e assim sucessivamente. Algumas tombam, levantam e vamos progredindo; tentamos manter o grupo unido pois as mamalhudas precisam de ombro amigo. As cabras saem bem, mas ninguém se põe ao longe. As ATs estão em dificuldade e o Rui Marques volta a sentar os gluteos numa – pois é, está destreinado ! começa o pagode, tiram-se uma fotos, uns vídeos para mais tarde recordar, vêem-se as vistas que são divinais, o ambiente é bom. Chegamos à portela. Das duas uma, subimos por uma ribanceira em xisto solto ou descemos a Regufe. Nisto o Merêncio manda-se pela subida – não percebi se era reconhecimento ou track. Não voltou, mais três sobem. Hesitei, deixei-me ficar com o grupo. Acabamos por descer a Regufe. O caminho vai piorando ao ponto de em dois pontos termos de andar de motas às costas. Mantenho a calma, afinal em grupo tudo se resolve. Deu trabalho. Saímos dali, vamos à volta e juntamo-nos aos outros na estrada para o Portal do Inferno. Os outros também suaram, mas se soubesse tinha-os seguido.
Nesta fase alguns no grupo estavam um pouco renitentes em continuar. Só se pensava na posta arouquesa em Alvarenga. O Merêncio prometia 30 km de track sem dificuldades, mas a crença não era muita. A alternativa eram 40/50 km de estrada de serra até Alvarenga. Decidimos seguir o track e valeu a pena. Os primeiros km foram de descida vertiginosa em que apanhamos de tudo, inclusive uns poucos kms de descida enlameada em que simplemente deixei a mota irrrrrrrrrr, travar era arriscado. Andamos rápido nesta fase. Atravessamos algumas aldeias em fundo de vale, com ruas muito estreitas, onde quase se punha o nariz dentro dos casebres, passagens entre muros, salpicado de almuinhas e pequenos riachos, lugares idílicos onde nos apetece parar, saborear o tempo, ficar ali umas horas, uns dias, num retiro espiritual, sem pensar no burburinho das nossas vidas quotidianas, por vezes destituído de sentido, num frenesim mecânico.
O grupo começou a esticar, enrolou-se bem o punho. Entusiamei-me, numa parte de saibro por duas vezes a traseira quis passar a frente, mas a mota é equilibrada e corrige fácil. Em pouco tempo estamos em Alvarenga. Somos os primeiros a chegar a uma gasolineira. Bebem-se umas minis. Meto gasolina, mais por hábito que necessidade, com o novo upgrade ainda tinha gasolina para chegar até casa. Em breve está tudo junto e seguimos pro tacho. Chegamos. Fom os recebidos em festa pelo Vilas & Zinga. Abraços e beijos, conversa em dia sobre as últimas peripécias e atacamos a posta, que se faz tarde. A carne arouquesa é de uma qualidade divinal. Ficamos rendidos ao banquete, as travessas correm, os serventes andam numa azáfama para servir os confrades assoberbados e desidratados. Corre tudo a gosto, celebra-se mais uma rica aventura.
Terminado o repasto, fazem-se promessas para o próximo, mandam-se cumprimentos aos mouros e ala que se faz tarde. Mais uma vez voltamos à discussão: o Merêncio quer seguir por track após a travessia do Paiva em Espiunca (onde termina o passadiço que vem do Areinho), outros querem fazer um caminho rápido para casa. Acontece que nesta região não há caminhos rápidos, tudo é serra. Seguimos o Merêncio. Entramos num track bonito, alguns calvalhos, trilho em galeria, algumas almuinhas de primores, muita água, passamos a estradões em eucaliptais, o ritmo é vivo, divirto-me em atravessadelas constantes, em pouco estamos para os lados de Vila Nova de Paiva. Ou seja, acabamos por fazer quase todo o track previsto.
Um fim de semana inesquecível à aldeia mágica !
_________________ DRZ 400E Transalp 600 ex RMZ 250 ex Husaberg 400 ex Honda xr ex
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